Entrevista Exclusiva com Ricardo Hinrichsen, Ex-VP de Marketing do Flamengo

Ricardo Hinrichsen começou sua carreira profissional no setor financeiro, mergulhando no dinâmico e desafiador mercado de capitais na Bolsa de Valores. Ao longo dos anos, ele se destacou e se tornou um dos principais especialistas em ativos intangíveis no Brasil, um campo que exige uma compreensão profunda tanto de finanças quanto de propriedade intelectual. Essa expertise o levou a expandir sua atuação, entrando no campo do marketing esportivo, onde aplicou seus conhecimentos para valorizar marcas e maximizar receitas. Em abril de 2006, sua trajetória deu uma guinada significativa, quando foi convidado por Marcio Braga para assumir um cargo estratégico no Flamengo. Durante o período em que esteve à frente do departamento de marketing, até dezembro de 2009, Ricardo foi fundamental na captação de patrocinadores de peso, que trouxeram não apenas recursos financeiros, mas também prestígio e visibilidade para o clube.

Entre os principais patrocinadores que Ricardo Hinrichsen trouxe para o Flamengo estão a Olympikus, Bozano, Batavo e ALE, parcerias que fortaleceram a marca Flamengo em um período de grandes desafios e transformações. Além disso, ele foi um dos pioneiros na criação da TV Fla no YouTube, entre 2006 e 2008, um projeto inovador que colocou o Flamengo na vanguarda da comunicação digital entre os clubes de futebol na América Latina. Aprofunde-se na história de Ricardo Hinrichsen com o resumo da entrevista exclusiva realizada pelo Modo Fla em 20/08/24.

Em 2006, você foi convidado por Marcio Braga para ser VP e Diretor Executivo de Marketing do Flamengo. Como surgiu esse convite?

Ricardo Hinrichsen: – Bom, eu já conhecia o Marcio há alguns anos, da época em que, profissionalmente, eu fiz um estudo de avaliação da marca do Flamengo para uma operação que acabou não saindo, não se concretizando. E quando eu fiz a apresentação para uma comissão do clube que estava conduzindo essa operação, na época, ele era o representante da oposição. Então, mantivemos contato, e quando ele se elegeu presidente em 2004, inicialmente eu me envolvi com um projeto de responsabilidade social que ele tinha, mas que, por questões políticas, acabou não indo adiante. Depois, eu brevemente trabalhei na vice-presidência de Planejamento, tocando a questão do orçamento do clube e começando a tentar montar um modelo de orçamento para o Flamengo. Mas fiquei pouco tempo, porque acabei sendo convidado pelo Marcio para assumir a vice-presidência de Marketing em 2006, pois o cargo estava vago e acharam que eu tinha perfil para essa posição. E assim, fui parar no departamento de Marketing do Flamengo, inicialmente como vice-presidente.

Você como Rubro-Negro, sabe a dimensão do clube. Como foi o desafio de trabalhar no Flamengo?

Ricardo Hinrichsen: – Foi complexo, né? Tive que primeiro convencer a família. Achava que isso era um exagero, ser vice-presidente do clube. Foi um processo relativamente rápido, não foi nada que eu tenha planejado. Ao contrário de muitas pessoas que militam no Flamengo, eu não tinha uma história política dentro do clube, nunca fui de frequentar o clube… E, na verdade, o próprio título de sócio, na época, era um título que herdei do meu pai. Enfim, eu meio que era uma pessoa desconhecida dentro do clube, que nunca tinha militado, nunca tinha feito parte do conselho deliberativo ou de qualquer outro poder dentro do Flamengo. Então, foi uma experiência realmente muito desafiadora, também porque eu vinha da iniciativa privada, do mercado. Enfim, nunca tinha trabalhado em uma organização com um componente político tão forte quanto o do Flamengo. Demorei um pouquinho para me adaptar, aprender o que precisava ser feito e, além da questão técnica, eu precisava também trabalhar a questão política.

Foto: Arquivo Pessoal/Ricardo Hinrichsen

Em 2006, você foi um dos pioneiros na criação da TV Fla no YouTube. De onde veio essa ideia, e como foi o processo de implementação desse projeto inovador para a época na América Latina?

Ricardo Hinrichsen: – Hoje, parece difícil para as pessoas mais jovens, que não vivenciaram aquela época, entender… Mas, naquele momento, não existiam TVs de clubes, né? E isso não era só no Brasil… Também não existia na Europa. Ainda era algo muito novo, a possibilidade de ter uma TV e usar o YouTube para distribuir conteúdo. Na verdade, naquela época, os clubes nem tinham canais oficiais. O canal do Flamengo foi o primeiro, em um contexto de uma negociação que fizemos com o Google no Brasil para outra iniciativa que não foi adiante… Mas o Google nos propôs criar um canal oficial, que seria o primeiro canal de um clube na América Latina. Já existiam alguns canais oficiais na Europa, mas a ideia de o clube produzir conteúdo de forma estruturada, com uma programação e tudo mais, era algo muito novo. E o conceito de explorar os bastidores também era muito recente. Lembro de um amigo meu, do mercado, que tinha muitas conexões dentro do Milan, e ele me pediu autorização, na época, para enviar o case da TV Fla, porque o pessoal lá em Milão estava pensando em criar algo no YouTube. Começamos a desenvolver esse projeto… A ideia original era que o modelo de receita do projeto fosse baseado na atração de patrocinadores, à medida que fosse ganhando visibilidade.

Após anos de colaboração, o Flamengo e a Nike decidiram seguir caminhos diferentes. Além dos problemas de distribuição da Nike, quais eram as vantagens do contrato com a Olympikus?

Ricardo Hinrichsen: – Olha, eu diria para você que é uma questão de filosofia de negócio e de interesse em se trabalhar junto, né? Primeiro, preciso explicar melhor o que é um contrato de licenciamento de fornecimento de material, que, no caso, é um contrato 2 em 1. Ele contempla um contrato de patrocínio convencional, onde a marca do fornecedor, seja Nike, Adidas, Puma, Olympikus ou qualquer outra marca, aparece na camisa e ganha muita visibilidade… E, com essa visibilidade, essa marca alavanca a venda dos seus próprios produtos, produtos com sua marca, que não necessariamente têm a ver com o clube. Mas também é um contrato de licenciamento, onde os produtos vendidos com a marca do clube rendem royalties, que são percentuais sobre as vendas para o clube. No mercado brasileiro, as grandes marcas internacionais, na prática, têm pouco interesse no segundo componente do contrato, que é o de licenciamento. Isso ocorre por uma série de questões, mas, em linhas gerais, para elas, não faz muito sentido fazer grandes investimentos em distribuição e produção aqui… Isso fazia com que as coisas demorassem muito para acontecer, e quando aconteciam, enfrentávamos dificuldades para abastecer o mercado, porque a capacidade de produção aqui era limitada. Tínhamos uma cota dentro das fábricas que produziam para a Nike aqui no Brasil. Vale lembrar que nenhuma dessas grandes marcas internacionais possui fábricas próprias, elas terceirizam a produção no mundo inteiro.

Foto: Eduardo Peixoto/Globo Esporte

Ricardo Hinrichsen: – O Flamengo acabava entrando em uma fila nessas fábricas, sem muita prioridade, e tínhamos dificuldade para atender a demanda. Então, quando fomos procurados pela Olympikus, tudo fez sentido… Porque a Olympikus era uma marca brasileira, do grupo Vulcabras. Um grupo enorme, gigantesco e na época muito forte, especialmente na produção de calçados, né? Quando negociamos com a Vulcabras, eles eram o terceiro maior produtor de tênis do mundo, disparado o líder em volume no mercado brasileiro. Para nós, era importante que o contrato deixasse de ser apenas um contrato de patrocínio e passasse a gerar para o clube também uma receita de licenciamento. Do jeito que estava até então, basicamente recebíamos a garantia mínima sobre as vendas, mais a parte relacionada à visibilidade, ao patrocínio. Não interessava, pois era bom para o parceiro (Nike), que podia associar sua marca ao Flamengo e, através disso, se posicionar no mercado. Para a Nike, era basicamente um contrato de marketing, de visibilidade, e a partir dessa visibilidade alavancar seus próprios produtos, mas produtos sobre os quais o Flamengo não ganhava absolutamente nada. Então, precisávamos mudar essa lógica, e daí veio a decisão de trocar a Nike pela Olympikus.

O Ronaldo treinou no Flamengo, mas não foi contratado. O litígio do clube com a Nike teve influência nisso? Por meio da sua visão, por que não deu certo?

Foto: Pedro Kirilos/AGIF/Folha Imagem

Ricardo Hinrichsen: – Eu não tenho como dizer se houve influência ou não da Nike, porque a essa altura do campeonato já estávamos em litígio, e já não tínhamos um contato direto e próximo com eles para saber se havia algum problema. Basicamente, o que eu posso dizer é o que conheço da história… Fui chamado pelo Kleber Leite para ajudar no início das negociações com o empresário do jogador, e parecia que as coisas estavam indo bem. Eventualmente, o Kleber me procurou um dia e disse que, por algumas razões, não seguiríamos com o projeto. E foi isso… Paralisamos o que estávamos fazendo em relação ao projeto, e, na sequência, ele (Ronaldo) acabou fechando com o Corinthians. Então, é isso que sei em relação a esse episódio… Quais foram as razões, eu não sei, e também não acho que fosse algo pertinente ao departamento de marketing. Estávamos ali para auxiliar, como depois auxiliamos com o Adriano, para complementar o projeto e ajudar a fechar com o jogador. A tentativa e o comando da operação são sempre do departamento de futebol.

Olhando para trás, qual você considera o maior legado que deixou no Flamengo durante sua passagem entre 2006 e 2009?

Ricardo Hinrichsen: – Considero o contrato com a Olympikus não apenas pelos resultados financeiros que trouxe ao clube, mas, especialmente, por uma questão de filosofia. Uma filosofia onde o Flamengo deixa de ser passivo, de apenas receber a garantia mínima, e se coloca de forma mais protagonista na exploração de sua marca. Muita gente me dizia, na época da disputa com a Nike… – Pô, mas vai trocar a maior marca de material esportivo do mundo, a grife que acrescenta tanto à camisa do Flamengo, por uma marca nacional? – E eu dizia, olha, com todo o respeito à Nike, mas a camisa do Flamengo não precisa da Nike para absolutamente nada, nem de nenhuma outra marca de material esportivo. Não é como se eu precisasse de qualquer marca para dar peso à minha camisa como propriedade. Eu não sou um ente passivo, que você vem, paga um valor fixo mínimo e está tudo certo. – Essa é uma filosofia que o clube precisa ter cada vez mais, e, pelo menos nessa área de fornecimento, foi a primeira vez que vi isso acontecer no Brasil. Não é fácil de fazer, porque você precisa ter um parceiro nacional para isso. Como eu disse, as marcas internacionais não podem ou não querem desempenhar esse papel, e naquele momento, tínhamos essa janela de oportunidade.

Queremos manifestar nossa gratidão a Ricardo Hinrichsen, pois a entrevista não apenas enriqueceu nossa compreensão sobre os temas abordados, mas também proporcionou insights valiosos que serão de grande benefício para todos os nossos leitores. A generosidade com que compartilhou seu vasto conhecimento e suas experiências únicas demonstra não apenas seu profissionalismo, mas também seu profundo compromisso com o legado do esporte.

Para conferir a entrevista completa em áudio, basta usar nosso player abaixo:

Mikael Salvador
Mikael Salvador
Rubro-negro, pai de primeira viagem, formado em Gestão de Projetos pela USP, Mestrando em Montagem Industrial pela UFF, apreciador de bons livros e escritor nas horas vagas. Tenho o propósito de conectar os leitores com a essência do Flamengo, compartilhando as alegrias de uma vitória, explorando os bastidores do clube e analisando as nuances do time. Caso tenha gostado do conteúdo, considere seguir-me nas redes sociais abaixo.
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